Enquanto lançava as bases teóricas deste artigo, nos lodaçais da empiria, com o firme intuito de ancorar estas mal traçadas linhas em algo que seja mais do que apenas um ensaio em terreno infértil, deparei-me com a ambiguidade do fazer historiográfico. Seria necessário muito mais coragem, e talvez uma megalomania não disfarçada, para acusar ausência de propósito nas coisas da vida, ultimo refugio daqueles cuja existência recorrentemente nega as benesses do sucesso. Há uma dimensão pedagógica na dor, lúdica no esforço e mesmo o mais leniente dos hábitos, a indolência é inegavelmente criativa, mesmo que em artifícios para permanecer tal qual estava antes.
Seria imprudência, entretanto, dizer que todas as experiencias sejam iguais, um misto de alegria e sofrimento, pois entre elas se estende uma inegável divisória, o prazer e o desprazer. É sempre preferível sentir-se bem, mesmo perdendo, e ganhar mesmo com as chances contra você. Por tanto, se o bom e o mal são difusos, ou mesmo inseparáveis, não cabe discutir aqui, pois acusado de pesquisar o lixo cultural, eu possuo a licença máxima, e nela está escrito “daqui eu retiro prazer, e deste, o significado de meu ser, aqui reside o sentido da individualidade, moderno até seu ultimo fio de cabelo e contemporâneo sempre que suscita nos homens algum prazer ou desprazer”.
Mas se não é mais necessário me desculpar ou adentrar a porta traseira da universidade, por estudar este tema tão controverso, não quer dizer que possa tratá-lo de qualquer forma, ou mesmo submetê-lo a minha paixão, reduzindo o que seria profícuo a mero elogio, que no mínimo impertinente, mas provavelmente cego, dos méritos, se verdadeiros e dos defeitos se aparentes. A legitimidade do objeto de estudo, flerta constantemente com a autoridade do pesquisador, não aquela proveniente de um suposto saber exclusivo, mas sim a que advêm da seriedade da pesquisa, honesta em seus resultados e severa em seu método.
Então, mesmo que todo conhecimento produzido seja precário, as longas e extenuantes noites passadas em claro, serão válidas, se não para a uma fama, imprópria do saber militante, para a expansão do campo e sedimentação das montanhas nas quais virão a se apoiar aqueles que como você fizeram a escolha de olhar mais longe e tratar do banal como elemento fundante de uma sensibilidade própria de nosso tempo, expressão irmã do que há de melhor e pior nas coisas pensadas pelos homens.
Aqui faço minha ultima peça de resistência, armado com uma pena afiada como a língua dos sofistas, mas escudado com o peso de um século de estudos culturais, movido pelo objetivo real de uma história total, onde o pequeno não seja consumido por agigantados sistemas de crenças disfarçados de teorias. E que mesmo no mediterrâneo ou atlântico possamos ver os rostos, daqueles que os cruzaram e ali viveram, homens e mulheres, livres, escravos ou libertos, suscitados em sua individualidade e nutridos no seio de um pensamento, em que o comum represente vivência e a experiência seja cumulativa.
L.M