sábado, 23 de outubro de 2010

Mormaço


Caros leitores, se é que existe algum.

Outrora eu escrevi para uso pessoal uma série de pequenos contos temáticos acerca do clima, hoje pretendo dividir com vocês uma pequena reflexão sobre o pós-chuva.

Como a maioria das pessoas, meu humor é afetado pelo clima, nada muito passional, todavia é inegável que este exerce alguma influência que extrapola às pequenas mudanças em nossa rotina, causadas pela chuva ou calor abrasante.

Muito já foi dito sobre a chuva e qualquer pessoa conta com grande quantidade de referências ligadas a uma visão da chuva. Ela é bucólica, dá o tom triste na melodia dos dias, também é  épico, um  evento em larga escala que nos foge ao controle, esperada e temida, se faz indispensável a qualquer representação de batalha, do cinema e literatura, como se Deus quisesse fazer-se presente no destino abaixo das nuvens.

Mas não é minha proposta falar da chuva, pretendo aqui tratar do acontece após seu termino, em uma situação bem especifica que nada tem a ver com campos de batalha encharcados de água e sangue. Invoco as chuvas de verão, rápidas e ferozes, tentando engolir o mundo e prenunciando o fim em água, para logo depois sumir tão rapidamente quanto veio. São estas chuvas de novembro a fevereiro que compõem esta narrativa, pois após sua fugaz vivência elas deixam no ar uma sensação especifica conhecida por mormaço.

É uma sensação que não restringe a percepção do corpo, é mental e simbólica, fundamentalmente metafórica. Ela puxa elementos de sua memória para construir seu sentido, no meu caso, lembra o mar. Eu não sou levado ao mar, mas sim ele que vem até mim. Sem a  restrição pelas bordas da praia ele se apresenta agigantado e poderoso, suprindo o homem que engolfa.

O suor provê o sal a este mar, na medida em que a umidade penetra em todas as partes do corpo. Os movimentos encontram uma resistência invisível, tal qual um mergulhador que para mover-se tem de vencer a força da água que tende a imobilizá-lo. Os músculos e a vontade são anestesiados, sentimo-nos afogados enquanto somos arremessados nas rochas das obrigações que, impassíveis ao nosso sofrimento, demandam serem compridas.

A chuva é melancólica, mas lava as dores e renova o espírito. O pós-chuva é momento de reflexão, no qual é posto um mundo de possibilidades e você se perde a contemplá-las, sem conseguir escolher se segue os restos do arco-íris  a desaparecer no horizonte, ou se acolhe a vida, um pouco menos árida. Na maioria das vezes apenas continuamos sendo cozidos em fogo brando, recolhidos em nossa preguiça, confiando que amanhã choverá novamente.

No mormaço, L.M

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